As Varas de Família deveriam ser um lugar de acolhimento e justiça, especialmente para mulheres que sofrem violência doméstica. No entanto, para muitas, esses tribunais se transformam em verdadeiras “Valas de Família”, onde seus direitos são ignorados, e elas são revitimizadas por um sistema judiciário despreparado e desatento. Essa metáfora denuncia a realidade dura e cotidiana enfrentada por mulheres que, além de suportarem a violência dentro de casa, encontram também um Judiciário que não as protege como deveria.
Um dos principais problemas é o despreparo dos profissionais que lidam com esses casos. Falta formação adequada sobre gênero e violência doméstica, o que faz com que juízes, promotores e servidores muitas vezes descredibilizem o relato das vítimas. Ao invés de acolhê-las e protegê-las, o sistema judicial frequentemente coloca em dúvida suas palavras.
Atendimentos frios e burocráticos
O desrespeito com que essas mulheres são tratadas começa no primeiro contato com o Judiciário. Elas são obrigadas a reviver traumas ao relatar suas experiências diversas vezes, enfrentam atendimentos frios e burocráticos e, frequentemente, sentem que suas vozes são ignoradas. Em vez de justiça, encontram portas fechadas, decisões lentas e, em muitos casos, conciliações forçadas com seus agressores. A insistência na conciliação em casos de violência é especialmente problemática. Muitos juízes ainda adotam uma visão paternalista da família, tentando preservar a “unidade familiar” mesmo quando isso coloca a vítima em risco. A conciliação em contextos de violência é, na prática, uma forma de prolongar o abuso e garantir que o agressor mantenha algum tipo de controle sobre a vida da mulher.
Falha na aplicação da Lei Maria da Penha
Outro aspecto preocupante é a aplicação falha da Lei Maria da Penha nas Varas de Família. Embora a lei tenha sido um avanço significativo no combate à violência contra a mulher, sua implementação prática ainda é insuficiente. A violência patrimonial, por exemplo, é muitas vezes negligenciada, com mulheres enfrentando grandes dificuldades para garantir sua autonomia financeira após saírem de um relacionamento abusivo. Processos de guarda compartilhada também são utilizados como uma arma pelos agressores, que continuam exercendo controle sobre suas ex-parceiras, mesmo após o fim do relacionamento.
O conceito de alienação parental, que deveria proteger os filhos de manipulações, muitas vezes é mal interpretado e usado para desqualificar o relato das mães. Assim, a mulher, que já foi vítima de violência dentro de casa, passa a ser tratada como agressora no tribunal, enquanto o verdadeiro agressor é visto como “prejudicado”. Essa inversão dos papéis mostra o quão distorcido o sistema pode ser quando falta sensibilidade e conhecimento por parte dos operadores do direito.
A consequência desse cenário é a revitimização das mulheres. O Judiciário, ao invés de ser um aliado na proteção dessas vítimas, torna-se mais um obstáculo em sua busca por segurança e justiça. Muitas mulheres desistem no meio do caminho, seja por cansaço, frustração ou medo, aceitando acordos desvantajosos ou retornando para seus agressores por não verem outra saída. Em vez de atuar como um agente de transformação social, o Judiciário perpetua a violência institucional contra essas mulheres.
É fundamental que o Poder Judiciário reconheça seu papel na proteção das vítimas e se comprometa em oferecer um atendimento adequado, baseado em uma visão ampla das múltiplas formas de violência que uma mulher pode sofrer. Isso inclui formação contínua dos profissionais que atuam nas Varas de Família, para que estejam preparados para lidar com casos complexos de violência doméstica de forma humana e eficiente.
Até quando essas “Valas de Família” vão continuar enterrando os direitos das mulheres junto com suas esperanças? É urgente que essas estruturas sejam repensadas e que o Judiciário finalmente cumpra seu papel de proteger as vítimas de violência. Somente assim poderemos garantir justiça real e efetiva para quem mais precisa.