Durante as últimas semanas tivemos noticiários – que infelizmente já se tornaram rotineiros – sobre um sargento da PMDF que matou um soldado dentro da viatura e se suicidou. Várias matérias de jornais e entrevistas com especialistas, que são unânimes em afirmar que os profissionais da segurança pública precisam de acompanhamento contínuo para evitar doenças mentais e suicídio. Lembraram do risco à vida do profissional e também do cidadão que pode ser abordado e da cultura ainda existente de combatente de guerra.
Mas o que temos por trás dessa tragédia? E essa “endemia” de transtornos que vem sendo exposta nas polícias brasileiras? Quais suas principais correlações?
Tema de difícil abordagem para um policial federal como esse que ora escreve essa pequena reflexão. Já tivemos, no nosso trabalho diário, vários colegas que foram acometidos por doenças mentais e alguns que acabaram tirando a própria vida. A ocupação policial, por si só, já implica na rotineira exposição do policial a situações de risco de violência, alto grau de estresse e risco de convivência com mortes violentas.
Pesquisa feita no âmbito da Polícia Federal, em parceria com a UNB, que visava avaliar o ambiente de trabalho, chegaram a seguinte conclusão:
“Os resultados desta pesquisa podem indicar que o maior risco para o trabalhador policial federal não é o conteúdo de seu trabalho ou sua natureza, mas a negligência em relação à saúde do trabalhador por parte do DPF, o modo como a carreira está estruturada – que implica na relação conflituosa entre gestão e subordinados , falta de autonomia e participação na concepção do trabalho, e os modos de gestão atuais, fortemente vinculados à estruturação da carreira policial no DPF”.
Outra pesquisa, desta feita mais voltado para análise do assédio moral e o terror psicológico na Polícia Federal, em sede do seu ambiente de trabalho, assim conclui acerca dos policiais federais:
“Quanto aos sentimentos vivenciados no ambiente de trabalho, 83% sentem-se desvalorizados pessoal e profissionalmente, 74% nutrem sentimento de indignação, podendo causar efeitos devastadores como disparo de tensão emocional e/ou adoecimento do corpo, sinalizando esgotamento profissional (síndrome de Burnout) e/ou transtornos psicológicos resultando numa desordem pós — traumática por estresse (PTSD), sugerindo a existência do assédio moral ou psicoterror, seguido dos sentimentos de inutilidade 39%, emoções de raiva 46% e medo 18%.
(…)
Os estudos acima apresentados caracterizam a existência do assédio moral delineado de forma descendente, inviabilizando o crescimento profissional, assim como, afeta a auto-estima e transforma as relações interpessoais no ambiente de trabalho em fontes concretas de destruição da cidadania e dignidade humana…”
Para se ter a ideia de comparativo e a real noção do problema colacionamos a tabela de taxa de suicídios apresentada pelo Estudo sobre o suicídio policial dentro do Departamento de Polícia Federal do Brasil com análise comparada internacional ( DE LIMA, Wagner S. Panorama do Suicídio Policial: S.O.S. Polícia Federal do Brasil. Cidadão SSP. Publicado em: 08 nov. 2019).
Verdades que doem:
“Ofurô corporativo” fingindo atender os policiais que estão com doenças ocupacionais, não obstante sua necessidade, em nada vai resolver o problema, tendo em vista que as verdadeiras causas dessas doenças e dos suicídios estão entranhadas em todas as polícias brasileiras, com vestes ditatoriais, calçadas nos assédios (moral e sexual) e engravatadas na escravidão servil da maioria de seus integrantes. Ou se enfrenta o problema ou estamos fadados ao insucesso no tratamento e também na prestação do serviço de segurança pública para a sociedade brasileira.