Em uma almofada, a bebê Laura Saraiva, de nove meses, chora. A mãe, Gisele Ferreira, 38 anos, está fazendo a limpeza da traqueostomia – procedimento em que há uma abertura no pescoço para passar o ar mais facilmente para os pulmões. É que, apesar de ser tão nova, a pequena já enfrentou diversas cirurgias. Laura nasceu com cardiopatia grave, causada por uma má formação do coração e que a fez passar os primeiros três meses de vida em uma UTI Neonatal. Enquanto a mãe faz essa limpeza, a médica pediatra paliativista Andrea Nogueira observa atenta para orientar Gisele. Laura é uma dos 800 pacientes que recebem o cuidado paliativo em casa pela Secretaria de Saúde.
O ar-condicionado frio de hospital foi substituído pelo calor do quarto de Gisele em Ceilândia. “Em casa, eu cuido dela e da minha outra filha, consigo dar mais conforto para as duas”, conta a mãe. Laura recebe o cuidado paliativo em domicílio porque sua situação pode ser acompanhada fora do hospital com os cuidados adequados. “A gente volta a viver”, desabafa Gisele.
A médica pediátrica paliativista Andrea Nogueira é responsável pelo cuidado de Laura dentro da Atenção Domiciliar. Ela conta que o primeiro desafio foi manter o coração da bebê estável para fazer uma cirurgia. Laura passou pelo procedimento cirúrgico no Instituto de Cardiologia e Transplantes do Distrito Federal, por meio de contrato firmado entre a Secretaria de Saúde e a instituição.
Laura não pode receber o leite materno, então é alimentada por meio de uma fórmula também fornecida pela Secretaria de Saúde, assim como os esparadrapos e insumos que usa. De acordo com a médica, a situação da bebê é diferente do que é geralmente conhecido como cuidado paliativo, em que as pessoas pensam em fim de vida. Ela recebe esse tratamento em casa porque estar em casa não apresenta risco e ainda aumenta a qualidade de vida dela e da família. “A gente aqui está trabalhando em um caso de progressão, em que o objetivo é que ela apresente recuperação”.
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), “cuidados paliativos consistem na assistência promovida por uma equipe multidisciplinar, que objetiva a melhoria da qualidade de vida do paciente e seus familiares, diante de uma doença que ameace a vida, por meio da prevenção e alívio do sofrimento, por meio de identificação precoce, avaliação impecável e tratamento de dor e demais sintomas físicos, sociais, psicológicos e espirituais”.
As equipes também auxiliam em coletas para exames e em outros procedimentos que possam ser feitos em casa para trazer mais conforto à família. Atualmente, Laura é alimentada por sonda e precisa de auxílio de oxigênio. “Para essa mãe chegar a uma consulta às 9h, por exemplo, ela tem que começar a se aprontar às 5h, tem que conseguir transportar os equipamentos, ter a mochilinha. Se a gente pode fazer aqui, a gente faz. Até porque também trabalhamos com pacientes em vulnerabilidade, que não têm o recurso, às vezes, para o transporte”, relata Nogueira.
O Distrito Federal conta com 17 equipes que fazem o cuidado paliativo em casa. “O nosso objetivo é desospitalizar. A gente consegue liberar leitos dessa forma e dar uma qualidade melhor de vida para esse paciente, atendendo na residência”, afirma a gerente de Serviços de Atenção Domiciliar, Bianca Lima. Em média, cada equipe cuida de 60 pacientes.
A equipe de Ceilândia é uma das mais completas: tem 34 servidores e, até fevereiro, assistia 130 pacientes que, sem esse serviço, estariam em leitos de hospital. “O paciente que está em cuidado paliativo vê a morte de uma forma diferente”, acrescenta a médica paliativista geriatra Ana Cláudia Sola. Ela ressalta que essa pessoa tem outros tipos de prioridade. “Por exemplo, aquele paciente diabético que está em cuidados paliativos quer comer um pudim. Ele come esse pudim, faz refeição com a família, toma banho de chuveiro. Coisas que são diferentes em um hospital”.
O paciente que entra em cuidado paliativo pode ter essa assistência por anos. É o caso de Paulo Victor Alves, 20 anos, que nasceu com paralisia cerebral. A partir dos 12 anos, ele começou a ser atendido em casa. O jovem fica a maior parte do tempo deitado, mas, com o apoio da igreja vizinha, ele tem acesso à equoterapia, que faz três vezes por semana.
A mãe do rapaz, Maria Alves, 53 anos, conta que, durante os primeiros 19 meses de vida, o rapaz esteve internado. Os dois passaram anos em ambiente hospitalar. A dona de casa e artesã ressalta que o serviço da Secretaria de Saúde melhorou a qualidade de vida dela e do filho: “Quando ele passou a receber a assistência em casa, ele foi internado só uma vez”.
Outro destaque da Assistência Domiciliar é capacitar as famílias, ou seja, ensinar cuidados básicos para prestar essa assistência. “É uma situação diferente de um hospital em que há uma equipe médica 24 horas por dia”, destaca a médica Ana Sola.
Os familiares têm o contato do médico para emergência, mas aprendem também a manipular os medicamentos, a fazer exercícios de fisioterapia passados por um profissional, como reconhecer se o parente está com dor, técnicas de higiene bucal. “A família não tem instrução de remédio, mas a gente empodera eles, dá para eles a capacidade para assistir seu ente mais querido e mais importante nas últimas horas também”, afirma a geriatra.
Como participar
As equipes prestam atendimento médico, de enfermagem, fisioterápico, fonoaudiológico e nutricional a pacientes em internação domiciliar. Para isso, o paciente precisa estar em uma situação que configure a necessidade de cuidados paliativos em casa, como em caso de uma doença que tenha limitado a sua autonomia.
O paciente pode ser encaminhado por uma unidade básica de saúde (UBS) ou pela gestão de leitos (pacientes internados). É necessário que o encaminhamento profissional preencha um formulário com a solicitação. Esse documento passa por avaliação do setor. Caso o paciente se enquadre, o prontuário é aberto e as visitas são agendadas para definir a linha de tratamento e um cronograma das visitas dos profissionais da saúde.
Em média, a resposta da Atenção Domiciliar ocorre em 24 horas para pacientes internados e em 48 horas para pacientes encaminhados pela Atenção Básica.