Desde muito cedo, fui confrontada com o preconceito por causa da cor da minha pele. A escola foi o primeiro cenário onde senti o peso dessas injúrias cruéis. Na rua e no mercado, olhares e comentários maldosos feriam minha alma inocente. Lembro-me de uma vez, quando meu filho nasceu, e o fato de ele ser mais claro do que eu fez com que as pessoas pensassem que eu era apenas a babá dele. Mas a verdade é que eu era a mãe, uma mãe que amamentava com amor, mas que teve que provar isso, com lágrimas nos olhos, quando uma enfermeira tentou tirar meu filho dos meus braços, alegando que eu não poderia amamentar filho de outra mulher.
As piadas de mau gosto, os comentários e discriminações mascaradas de brincadeiras machucavam, mas eu mantinha o silêncio. Engolia a dor, porque achava que era o melhor a fazer, mas, na verdade, era o caminho mais fácil. No trabalho, um superior me ofendeu com palavras que ainda ecoam em meus ouvidos. “Você tem que trabalhar mesmo, quem mandou nascer negra?” Como doeu ouvir isso. Uma colega notou minha tristeza, mas eu mais uma vez me calei, acreditando que relevar era o certo a fazer.
Então, minha neta veio ao mundo, uma criança iluminada, e de pele e olhos claros. Um presente de amor e esperança. Porém, adivinhe? O preconceito estava lá novamente, batendo à porta da minha felicidade. “É sua neta de coração?” me perguntavam, como se o laço de sangue fosse invisível diante da cor da pele. A sociedade, tão evoluída em alguns aspectos, parecia congelada no tempo quando se tratava de abandonar velhos estereótipos e julgamentos preconceituosos.
A gota d’água chegou no dia em que fomos ao circo, minha neta, minha nora e eu. Comprei nossos ingressos na ala premium, pois era a primeira vez da minha neta no circo, queria que ela tivesse uma experiência incrível. Chegamos cedo para pegar um bom lugar, sentamos na primeira fila, e então uma mulher se aproximou de nós, com arrogância, e ordenou que saíssemos do local. A justificativa era que ela estava com sua família e queria sentar lá. Mas e eu? Eu também estava com minha família. Neguei-me a ceder. “Não, eu também estou com minha família e paguei igual a você,” respondi com firmeza.
Foi que do nada ela soltou “depois falam que é racismo!” E mais uma vez me calei, para não estragar o passeio. Mas durante todo o espetáculo, as palavras dela reverberavam na minha mente. Naquele momento, percebi que era hora de romper o silêncio, de não mais permitir que o racismo me dominasse. Meu coração estava farto, cheio de dores caladas. Eu não podia permitir que minha neta crescesse em um mundo onde o preconceito era aceito como algo natural.
A partir daquele dia, prometi a mim mesma que não me calaria mais. Entendi que, ao me posicionar, eu poderia inspirar outros a lutarem contra a discriminação e a intolerância. Não podemos permitir que a ignorância e a maldade prevaleçam.
Hoje, minha história é de coragem, amor e resistência. Aprendi que não se trata apenas de mim, mas de todas as vozes silenciadas pelo racismo. Juntos, podemos fazer a diferença e construir um mundo onde a diversidade seja celebrada, onde a cor da pele não defina o valor de uma pessoa e onde a igualdade seja uma realidade, não apenas um sonho.
Portanto, que essa crônica seja um grito de liberdade, um apelo para que não nos calemos mais diante das injustiças. O racismo é um mal que precisa ser combatido por todos nós, em cada ato e palavra. Somente assim poderemos construir um futuro justo, amoroso e humano. Que o silêncio não seja mais uma opção, e que a voz da mudança ecoe em cada coração.