A vitória de Davi Brito no Big Brother Brasil 24 foi celebrada por muitos como a consagração de uma narrativa de superação. Mas, como em tantos outros contos de fadas modernos estrelados por homens negros ou periféricos, há uma mulher que desaparece da história no exato momento em que o sucesso se torna visível. Mani Rego não só desapareceu — foi apagada.
O término repentino do relacionamento, anunciado por Davi sem que Mani sequer soubesse, viralizou. Ela soube da decisão assim como o restante do Brasil: pela mídia. A partir dali, foi escárnio. As redes sociais se tornaram um tribunal informal de moralidade, no qual Mani foi julgada, ridicularizada e difamada por supostamente querer “metade do prêmio”. Pouco importava se ela esteve ao lado de Davi durante anos, sustentando um negócio familiar, cuidando da vida fora da casa enquanto ele ganhava seguidores e um reality show.
A Justiça, no entanto, fez aquilo que a opinião pública se recusa a fazer: reconheceu a verdade. A 7ª Vara de Família de Salvador declarou a existência de união estável entre Mani e Davi, garantindo a ela o direito à metade do que foi adquirido durante a relação, incluindo o prêmio de R$ 2,92 milhões do BBB24 e dois carros avaliados em cerca de R$ 700 mil.
Trabalho invisível
A sentença, embora ainda em primeira instância, já representa um marco simbólico — e jurídico — na luta pelo reconhecimento do trabalho invisível das mulheres.
Mas o que mais chocou não foi a decisão judicial. Foi a reação social. A misoginia estrutural que autoriza o sucesso masculino à custa do apagamento feminino veio à tona sem qualquer disfarce. A mulher que esteve lá para o planejamento, o afeto, o apoio logístico e a manutenção do cotidiano virou, de repente, uma oportunista. Porque, afinal, o “mérito” masculino não pode ser manchado pela lembrança de que ele não caminhou sozinho.
O caso expõe mais do que uma separação. Ele escancara a estrutura do abandono que atinge milhares de mulheres todos os dias. Durante a gravidez, durante uma doença, durante um processo de crescimento pessoal ou de crise. Quando a mulher já não serve mais como trampolim emocional, afetivo ou prático, ela é descartada. E quando exige reconhecimento — legal, financeiro, simbólico — é chamada de interesseira, golpista, ingrata.
Presença silenciosa
Esse não é um caso de entretenimento. É um caso de gênero. E, como todo caso de gênero, exige que nos perguntemos quem tem o direito de ser protagonista e quem é sempre empurrada para os bastidores da história.
Mani Rego é mais uma na longa fila de mulheres que sustentam o sucesso de seus parceiros e são jogadas para fora da narrativa no momento em que ele se concretiza. A decisão da Justiça não é apenas um acerto técnico — é uma reparação simbólica, mesmo que tardia. Que sirva, ao menos, como ponto de partida para uma reflexão mais séria sobre o valor do trabalho feminino, do afeto, e da presença silenciosa que tantas vezes constrói os caminhos que outros percorrem sob os holofotes.