O colapso do sistema penal e o fim do acordo tácito

A crise na justiça expõe desigualdades e questiona a credibilidade do Estado

Redação
Por Redação 4 Min Leitura
4 Min Leitura
A ineficiência do sistema joga irmão contra irmão, vizinho contra vizinho. Quanto às nossas negociações, relacionadas à agenda escolar dos nossos filhos, mexe na nossa aposentadoria e no investimento falível na guerraImagem: Reprodução
ouça o post

O conceito de acordo tácito, aprendido nos bancos universitários, explica como partes envolvidas em uma situação estabelecem um entendimento implícito para que as coisas funcionem conforme o esperado. No cinema, por exemplo, é esse acordo que permite ao espectador se entregar à narrativa, independentemente de sua verossimilhança.

No entanto, esse mesmo pacto está presente em outras esferas da sociedade, incluindo a segurança pública. A manutenção da ordem depende da justiça e do equilíbrio entre direitos e deveres. Mas esse entendimento implícito está em colapso. O sistema penal, criado para garantir a paz social, nunca esteve tão exposto em sua ineficiência e desigualdade.

A justiça tem revelado sua seletividade, favorecendo os que têm privilégios econômicos e sociais. Em um caso recente, a esposa de um prefeito, responsabilizada pela morte do filho de sua empregada doméstica, conseguiu na Justiça a redução do valor da indenização a ser paga à mãe da criança. Enquanto isso, uma mulher no Piauí teve sua vida destruída após ser injustamente acusada de envenenar crianças. Foi presa sem investigação adequada e teve sua casa incendiada antes de ser absolvida.

A impunidade também se reflete em casos de violência policial. No Salgueiro, um adolescente de 14 anos foi executado com tiros de fuzil dentro da casa da tia. Apesar da ausência de confronto, os policiais foram absolvidos por “legítima defesa”. Situações semelhantes se multiplicam, com inquéritos falhos, processos inconsistentes e absolvições questionáveis.

A crise da justiça impacta diretamente a sociedade. A população desacredita no Estado e passa a buscar justiça com as próprias mãos, como no caso dos suspeitos de homicídio linchados por uma multidão. A violência se agrava e as instituições se enfraquecem.

Railane Borges,
Cineasta e escritora

O descrédito no sistema penal não é um problema recente, mas tem se aprofundado. A impunidade não se resolve com encarceramento em massa, tampouco com medidas punitivas ineficazes. O sistema carcerário não ressocializa, e a prisão se torna apenas um instrumento de controle, afetando majoritariamente os mais pobres.

A crise política e social também reflete um esgotamento geracional. Enquanto as décadas passadas vivenciaram estabilidade econômica e ascensão profissional, as novas gerações enfrentam crises climáticas, exaustivas jornadas de trabalho, incertezas econômicas e a fragmentação social. A representatividade política diminui e o radicalismo cresce, alimentado pelo medo e pela desconfiança.

O pacto social que sustentou a ordem por décadas está desfeito. O sistema penal falha em garantir justiça, e a sociedade sente os impactos dessa instabilidade. O Brasil enfrenta um desafio estrutural: reformar a justiça e reconstruir a confiança na segurança pública. Mas sem planejamento e soluções concretas, restam apenas o caos e a violência crescente.

A democracia, desfigurada, segue exposta às intempéries de um sistema que insiste em ignorar suas próprias falhas.

*Por: Railane Borges, Cineasta e escritora

Compartilhe esse Artigo
Deixe sua opnião
Verified by MonsterInsights