Segurança Pública e liberação de armas: paradigma ou dinheiro?

Arma não é comparável a outro bem qualquer. Arma mata e foi planejada e produzida com esse objetivo

Flavio Werneck
Por Flavio Werneck  - Segurança Pública 7 Min Leitura
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A liberação de armas não aumenta a segurança do cidadão; pelo contrário, aumenta o risco de morte dos brasileirosImagem: Reprodução
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Resolvi abordar um tema difícil, mas que merece ser tratado com a devida clareza e honestidade. Colocar os “pingos nos is”. Parar com o “disse me disse” e discursos vazios e sem argumentação técnica.

Iniciemos com o que deve ser falado: A LIBERAÇÃO DE ARMAS NÃO MELHORA A SEGURANÇA DO CIDADÃO. PELO CONTRÁRIO, AUMENTA O RISCO DE MORTE DOS BRASILEIROS. Essa é a realidade nua e crua.

Vamos aos fatos: A mudança na política do controle de armas no Brasil intensificou a conexão entre os mercados legal e ilegal de armas de fogo. É o que deixa claro o estudo publicado no JOURNAL OF ILLIT ECONOMIES AND DEVELOPMENT, do mestre e doutorando Roberto Uchoa de Oliveira:
_“Em quatro anos, quase dois milhões de armas de fogo entraram em circulação. Armas de fogo que anteriormente eram restritas às forças de segurança, devido ao seu poder de fogo, tornaram-se disponíveis para aquisição pelos CACs em quantidades que poderiam constituir verdadeiros arsenais nas mãos de indivíduos. Isto facilitou o acesso a grandes quantidades de armas de fogo e munições; alterou o perfil das armas de fogo em circulação na sociedade e parece ter chamado a atenção de criminosos, que agora exploram estas facilitações para obter armas anteriormente acessíveis apenas através de desvios ou tráfico internacional. Cada vez mais, surgiram casos envolvendo CACse a transferência de armas de fogo e munições para criminosos. (…) Apesar do número limitado de inquéritos policiais analisados e das diversas formas de desvioarmas para o mercado ilegal, o objetivo de demonstrar que os criminosos estavam adquirindo armas legaisarmas de fogo foi alcançado.

Não existe categoria esportiva ou profissional completamente isenta de indivíduos mal-intencionados ou momentos de omissão ou irresponsabilidade. Isto inclui a aplicação da lei, o sistema judicial, e atiradores esportivos também. No entanto, devido à natureza sensível do material envolvido e impacto que pode ter na segurança pública, a regulamentação destas atividades deverá estabelecer regras compatíveis com o potencial de dano coletivo e facilitar a identificação e responsabilização de indivíduos envolvidos em ações ou omissões criminais. Porém, o que ocorreu durante o governo Bolsonaro foi justamente o contrário. Além de facilitar a aquisição de armas de fogo e munições, o governo não investiu na melhoria dos mecanismos de controle e fiscalização, o que beneficiou diretamente organizações criminosas. A política armamentista do governo Bolsonaro criou mais um caminho na conexão existente entre os mercados de armas de fogo legais e ilegais, elevando-a a níveis que ainda precisam ser totalmente compreendidos à medida que as investigações policiais prosseguem. (The Connection Between Legal andIllegalFirearmsMarkets: HowtheChange in Gun ControlPolicy in BrazilIntensifiedThis)

Somente essa semana, no Congresso Nacional, observamos a aprovação, na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados, do PLP 108/2023, que autoriza os Estados a legislarem sobre armas de fogo, em flagrante ofensa à Constituição Federal, que é clara ao dizer que cabe à União apenas esse tipo de legislação (material bélico) e pior, ofendendo o que há de mais claro na ciência policial moderna: O controle e auditagem têm que ser únicos, concentrados, para diminuir as fraudes, corrupções e possibilidade de cometimento de crimes.

Na outra casa – Senado, tivemos um projeto aprovado na comissão que autoriza porte de fuzis para vigilantes em áreas rurais. O que vai acabar por colocar os vigilantes de áreas rurais como alvos dos criminosos que buscam essas armas para aumentar seu poderio bélico. (https://www1.folha.uol.com.br/colunas/monicabergamo/2024/04/comissao-do-senado-votara-projeto-que-permite-porte-de-fuzis-para-vigilantes-em-area-rural.shtml utm_source=sharenativo&utm_medium=social&utm_campaign=sharenativo)

Quem leu até esse ponto deve estar pensando: quem são esses CACs?

A facilitação do acesso a armas passa por aí. São colecionadores de armas; atiradores esportivos e caçadores. O fato é que, utilizando as facilidades e brechas da legislação, o número de armas com eles quase triplicou. Mas realmente são CACs? Pessoas que não seriam colecionadores, atiradores esportivos e caçadores conseguiram o cadastro e aquisição de armas de fogo. Para ter em casa, para guarda, para suposta segurança, dentre outros motivos que não o de ser CAC. Isso é de fácil constatação. Quantos desses atiradores esportivos participam de competição? Treinam com a frequência exigida? Menos da metade dos cadastrados, cerca de 673,8 mil CACs são realmente colecionadores, caçadores e atiradores esportivos.

Os resultados estão saltando aos olhos: vários crimes que, por si só, já comprovam o que vem sendo dito. A violência com armas REGULARES aumentou. Assim como seus desvios. No DF tivemos casos como o do CAC que matou a ex-mulher na frente da filha no inicio do ano contribuindo para o aumento do feminicídio. No meio de 2023 tivemos crime parecido. Um CAC assassinando a companheira na frente da filha. Fato é: O DF teve mais feminicídios com armas dos CACs do que com armas ilegais.
Segundo o Instituto Sou da Paz, o DF teve um aumento de apreensão de pistolas 9mm de 3,7% para 23% em 10 anos.

Podemos afirmar que: precisamos urgentemente ter um banco de dados seguro e único para controle de armas e de acesso as mesmas; a figura do colecionador, caçador e atirador esportivo têm que voltar a sua origem restritiva, evitando o despejo de armas para pessoas que não estão aptas para a posse e porte de armas e muito menos ser classificadas como CACs.

Por fim: vamos parar com meias palavras. Arma não é comparável a outro bem qualquer. Já escutei que um revólver é igual a um carro. Arma mata e foi planejada e produzida com esse objetivo. Tirar vidas. O automóvel é para transporte e deslocamento. Devemos ter controle e auditorias rígidos e unificados, para diminuir erros e mortes. Honestamente: tem muita gente ganhando muito dinheiro com essa derrama de armas. O bolso deles é mais importante que a vida de outros. Irresponsabilidade fomentada pelo vil metal.

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Posted by Flavio Werneck Segurança Pública
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Advogado, servidor público, mestre em criminologia e pós-graduado pela Escola do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios.
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