Entre inhames da Paraíba e frascos de dendê vindos diretamente da Bahia, Jandira Andrade chama o freguês. “O feijão-verde debulhado acabou de chegar. E o mel também”, avisa. A banca da comerciante de 75 anos é famosa na Feira do Núcleo Bandeirante. Afinal, são mais de cinco décadas oferecendo uma grande variedade de produtos nordestinos, sempre com um sorriso no rosto e um cafezinho fresco na garrafa térmica.
“Tenho muito orgulho de ser feirante, a feira é uma grande riqueza. Aqui, a gente recebe todo tipo de freguês. Pessoas que tiveram educação, pessoas que não tiveram, gente rica, gente humilde”, conta Jandira. “Tem gente que pergunta por que eu ainda trabalho, se não vou me aposentar. Mas continuo aqui porque eu gosto, sabe? Acho que vou morrer feirante. E muito feliz”, garante.
A comerciante não sabia, mas neste 25 de agosto é comemorado o Dia do Feirante. E ainda que desconhecesse a existência da data nacional que celebra sua profissão, Jandira sabe de cor a mais importante das lições – é a paixão de gente como ela que mantém viva a tradição das feiras. “A gente acompanhou a abertura de muitos mercados, dos sacolões… Mas nada se compara ao comércio popular. Comprar aqui é uma experiência diferente”.
Que o diga a aposentada Iolanda Nunes Muniz, 69 anos. Toda a semana, a moradora do Núcleo Bandeirante vai à feira. “Às vezes, venho para comprar doce, cheiro verde. Também encontro uma farinha amarelinha que a gente não acha no mercado de jeito nenhum”, avisa. “Também compro muito frango, para fazer ao molho. Porque aqui é fresquinho, né? A gente escolhe e o feirante mata na hora. O prato fica mais gostoso”.
A oferta de artigos regionais e frescos não é o único diferencial das feiras. Quem frequenta o comércio popular sabe que a experiência não se limita à compra e venda de produtos. “Aqui na feira a gente também encontra os amigos, conversa. É um ponto de encontro”, explica Iolanda. “A gente acaba criando uma relação muito próxima com os próprios feirantes, coisa que não acontece nos mercados”.
A psicóloga Gláucia Flores, 44 anos, faz questão de sair de sua casa, no Jardim Botânico, para comprar na Feira do Núcleo Bandeirante. “Tem muita coisa gostosa aqui, a gente encontra produtos especiais. Eu sou gaúcha e sempre consigo achar queijos e doces do meu Estado”, comemora. “Fora que o clima das feiras é uma delícia, lembra cidade do interior”.
Valorização
O Distrito Federal conta com 85 feiras, comércios e shoppings populares. Desse total, 38 são feiras permanentes, como a do Núcleo Bandeirante. Para o presidente da Federação das Feiras de Brasília, Edson Barbosa, o número comprova a paixão candanga por essa tradição. “Desculpem os grandes mercados – eles podem ter quantidade e variedade, mas quando se fala de qualidade com um tempero de amor, é só na feira que você vai achar”.
As primeiras memórias que Edson construiu nos mercados populares datam da época em que as feiras eram formadas por barraquinhas de lona montadas sob o chão de terra batida. “Agora tem piso, cobertura, segurança. Ficou melhor para o feirante e para o cliente”, avalia. “E o melhor é que os feirantes não perderam sua identidade. Continua sendo uma cultura passada de geração para geração”.
A modernização das feiras é um desejo acalentado por anos pelos comerciantes. Em atenção a essa demanda, o Governo do Distrito Federal (GDF) investiu, desde 2019, mais de R$ 23 milhões em reformas e manutenções de 22 comércios populares. A última obra a ser entregue, em março deste ano, foi feita na Feira do Núcleo Bandeirante. Um investimento de quase R$ 10 milhões custeou a reconstrução completa do espaço.
Incentivos
“Também estamos desenvolvendo um projeto de capacitação dos comerciantes junto ao Sebrae [Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas]”, afirma Ana Lúcia Melo, titular da Subsecretaria de Mobiliário Urbano e Apoio às Cidades, pasta ligada à Secretaria de Governo. “Neste primeiro momento, estamos capacitando 60 integrantes de associações para, em seguida, fazer o mesmo trabalho com os feirantes”, completa.
Empenhado em preservar essa importante tradição popular, o GDF tem oferecido diversos incentivos para os feirantes. Desde 2019, o governo concedeu mais de 2 mil autorizações de uso de espaços, o que corresponde à regularização de 20% de todas as ocupações em feiras do DF. Além disso, durante a pandemia de covid-19, os comerciantes ficaram isentos de pagar o preço público, taxa cobrada pela utilização de área pública.
Um pacote de licitações para a ocupação de 193 boxes fechados em sete feiras também foi lançado em julho. E, segundo Ana Lúcia, um novo pacote deve ser lançado ainda neste ano. “Essa segunda fase contemplará 559 boxes espalhados em 14 feiras”, detalhou. “Além de movimentar os centros comerciais, os novos ocupantes vão aumentar a arrecadação da cota de rateio das despesas, usada para a manutenção das áreas comuns das feiras”.