O cursor fica piscando… Não por falta do que escrever, mas sim por muito, muito que quero dizer aqui… Relembrar experiências pelo mundo é cair em lágrimas, mas não de tristeza, de gratidão, sim, essa palavra tão linda, que parece ter virado um clichê, mas que sempre vou colocá-la em meus textos, pois não há palavra melhor que defina o quanto já vivi pelo mundo, com 38 anos.
Ter um espaço meu, de recordações e para inspirar, quanta gratidão. Há muito queria guardar momentos, histórias, encontros, sabores, reflexões que surgiram a cada país, a cada poltrona de avião na qual me sentei, a cada cama de hotel, pousada, hostel, casa de conhecidos que dormi.
Pensei e repensei: ‘Por onde começo?’… Passei o dia de hoje, um domingo mais frio desta cidade que me acolheu há quase 29 anos, Brasília, e pela qual tenho tanto carinho, pensando, tentando ‘situar’ aquele que seria o primeiro assunto aqui… E cheguei à conclusão (não sei se acertada) de que o primeiro deveria ser aquele em que saí para o mundo quando ganhei meu primeiro salário que me deu uma pequena confiança para, como dizem, ‘me jogar’ pelo mundo.
Preciso ressaltar uma pessoa, que não convém citar nomes, obviamente, mas que estando comigo à época da minha primeira viagem internacional disse: ‘Ei, conseguimos, sim, viajar… Economizamos e vamos’. Na minha cabeça de menina de 26 anos, nos idos 2010, esse ‘conseguimos’ parecia distante, pois quando pensei em ‘pagar hotel, pagar transporte, a passagem de avião até lá!, comida’, e todos os outros gastos que uma viagem para o exterior acarreta, sentenciei: ‘Impossível’.
Planejamento
Mas o impossível, com realmente planejamento (planilhas que fizemos dividindo os gastos, todos, quase que absolutamente), se tornou possível, e ali, sentada na poltrona do avião da Iberia, com uma passagem comprada em prestações, atravessei o oceano e cheguei à Itália. Cheguei a um país que não falava português, única língua que eu havia escutado em um território por 26 anos, que tinha trens para todos os lados (nunca tinha visto um trem novo em funcionamento, somente aqueles de Minas já sem operação quando viajava à casa de parentes), pessoas com estilos completamente diferentes (eu estava na terra da moda, de Armani, de Miuccia [Prada]…), comidas que faziam meu pescoço virar e olhar admirada os cheiros pelas vielas… Vielas essas medievais, de tempos que nem passavam pela minha cabeça saber imaginar como era a vida. Foi como se uma ‘fenda’ se abrisse: uma Gabriela antes dessa viagem e outra após.
Experiências
Foram 20 dias. Minha primeira viagem internacional, cheia de expectativas e medos (sim, medo de o dinheiro, que era contado, acabar antes) pela Itália e, de quebra, pela Espanha, em uma conexão de 3 dias que me permitiu conhecer Madri e uma cidadezinha chamada Toledo, me transformou em uma pessoa muito mais observadora, muito mais determinada. Foram vários museus pelo país da famosa bota (se vocês olharem, a Itália parece uma bota desenhada no mapa-múndi), com obras de arte que eu só conhecia pelos livros e nem em meu sonho mais incrível imaginava conhecê-las tão cedo. Perceber que andar pela Torre de Pisa era uma aventura por ela ser torta, deixando a gente tonta? Jesus, eu estava ali. Entrar em uma salinha à meia-luz e ficar poucos minutos permitidos olhando admirada a Santa Ceia, em Milão, e ter a certeza de que aquela obra marcaria minhas lembranças mais profundas em sentimento, me passar por estudante para conseguir um desconto e poder andar de gôndola por Veneza… Veneza… Parei em frente a um dos muitos daqueles cais daquela cidade mágica e pensei: ‘Quero voltar mais velha aqui… Essa cidade é muito diferente’… Mas muito diferente era tudo que eu estava vivendo. O cheiro, sim, o cheiro, das estações de trem, se eu paro e acesso na minha memória, vem ao meu nariz automaticamente. Nunca mais esquecerei. Um cheiro de perfume, perfume que só eu terei guardado, na lembrança.
Trem… Andar de trem do norte ao sul do país. Andar de costas nos vagões, de frente, no sentido tradicional, ‘tem mesinhas entre as poltronas! Que chique!’ (me senti como se fosse a pessoa mais rica em dinheiro andando em um trem), ver as paisagens e perceber plantações de frutas que nunca imaginaria conhecer pelas janelas de todos os itinerários. ‘Como assim não tem fiscal cobrando o bilhete do trem? Mas eles não conferem?’ Fiquei abismada com a confiança das pessoas nas pessoas (sim, eles conferem, mas nem sempre. Passam, muitas das vezes, aleatoriamente pedindo os bilhetes). Aprendi a confiar mais.
Memórias afetivas
A menina que precisou dar aulas de inglês para ajudar nas contas e estudar muito para um dia viajar sozinha ou acompanhada, e voltar outras vezes à Europa (nem ela sabia que isso seria possível), que foi com 2 sapatos comprados em prestações e não tinha casaco chique nem bota chique, mas tinha um coração enorme disposto a aprender sobre o mundo, estava na Europa, pela primeira vez. E tentava guardar todos os cheiros, lugares, pessoas boas em pensamento, pois não sabia se teria aquela chance de novo, e se tivesse, quando…
Na viagem à Itália, tomei 80 sorvetes. Hoje falo isso rindo, mas na época foi desesperador voltar com as calças não cabendo direito. Mas me permiti comer o que eu quisesse (tinha de ser barato, então, ia comendo sorvete, pedaço de pizza, lanchinhos entre um museu e outro) e essa se tornou uma das recordações que mais rio quando me lembro. Eu tomava 4 ‘gelatos’ por dia. Lá descobri o que era sorvete! O gosto leve, sem sentir gordura agarrada na boca… Era doce que eu nem imaginava que existia!
A primeira cidade que conheci, e onde meu avião chegou, foi Milão. Deixamos as coisas no hotel (um hotel mais afastado do centro, mas perto de uma estação de trem, que permitia um bom deslocamento) e fomos andar pela cidade. Pegamos um metrô… Eu nunca tinha andado de metrô… Sim, nunca. Entender todas aquelas linhas com nomes, caminhos… Observar pessoas que entravam e saíam a todo momento, pessoas essas com jeitos, estilos… Ao sair do metrô, o maior encantamento foi olhar para o lado e ver a Duomo, a igreja mais conhecida da cidade, e que parece de gelo. Eu parei alguns segundos e pensei: “Isso é real?”. Sim, Gabriela, era real estar ali vendo aquele ‘monumento monumental absurdamente lindo’.
Entrei no mundo ali, entendi que havia muitas coisas que eu nunca tinha sonhado em conhecer, mas que estavam ali.
Foi o começo de tudo pelo mundo, um mundo meu, um mundo de muitas descobertas, que me fizeram ser a Gabriela que sou hoje, determinada, corajosa, no auge dos 38 anos, cabelos pintados, com menos colágeno que aquela menina de 26 anos com muitos e muitos mundos para conhecer. Sabe a gratidão, que disse lá no começo? Não é o carro, a moto, o avião que me move todos os dias, é ela.