Todo mundo já teve uma noite difícil por conta da insônia, mas o uso indiscriminado de remédios para dormir tem preocupado médicos e autoridades sanitárias. De acordo com a pneumologista e especialista do sono Géssica Andrade, o consumo prolongado desses tipos de medicamentos pode causar tolerância, dependência e surtos de alucinações ou sonambulismo.
“Aumentou muito o consumo de medicamentos para dormir após a pandemia, inclusive a automedicação. E pesquisas apontam que o uso independe da idade. O consumo de Zolpidem e de benzodiazepínicos aumentaram quase que numa progressão geométrica. Estamos falando de um medicamento que está relacionado à dependência e abuso”, conta a especialista.
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) calcula que 13,6 milhões de caixas dessa medicação foram vendidas em 2018. Dois anos depois, em 2020, esse número saltou para 23,3 milhões – um crescimento de 71% em poucos meses. Desde então, essas estatísticas nunca ficaram abaixo da casa dos 20 milhões anuais.
O uso desses medicamentos pode comprometer o bom funcionamento do corpo e a qualidade de vida do paciente. A eficácia parece positiva a curto prazo, mas, ao longo do tempo, pode desencadear consequências. Segundo a especialista, o medicamento é seguro quando usado por um tempo limitado e sempre com acompanhamento médico.
“Os benzodiazepínicos são controlados pelo Ministério da Saúde [MS]. A venda ocorre mediante receita especial emitida por profissional da medicina. Os medicamentos desta categoria mais comumente utilizados são Alprazolam, Bromazepam, Clonazepam, Diazepam e Lorazepam”, relata.
Entre os efeitos colaterais mais comuns, estão sonolência, dor de cabeça, tontura, distúrbios cognitivos como amnésia anterógrada (esquecer eventos após a ingestão do remédio), diarreia, náusea, dor abdominal, vômito, dor nas costas e fadiga. As redes sociais estão repletas de relatos de pessoas que, sob o efeito de Zolpidem, fizeram compras extravagantes para muito além de seus recursos, deram declarações desconexas ou embaraçosas e agiram de maneira confusa ou mesmo violenta.
Melatonina
Em 2021, a Anvisa autorizou a venda da melatonina em farmácias, uma decisão que trouxe mais acesso a essa importante substância. No entanto, é fundamental compreender que a melatonina não é apenas um medicamento comum, mas um hormônio essencial para regular o ciclo de sono e outras funções do corpo.
De acordo com a especialista do sono, é preciso usar a melatonina apenas com orientação médica. “Se o paciente tomar sem orientação, pode até ter um efeito rebote, perder o sono ou acordar como se estivesse de ressaca. A melatonina é vista como um remédio, mas na verdade é um hormônio produzido pelo nosso próprio organismo”.
“A melatonina sinaliza para o nosso corpo que acabou o dia e começou a noite. Ou seja, ela é a grande responsável por todas as mudanças fisiológicas do nosso organismo para o período de repouso – sono, mudanças metabólicas, cardiovasculares, respiratórias, digestoras, endócrinas e imunológicas, todas elas típicas do repouso humano”, completa.
Para aqueles que enfrentam dificuldades para dormir, é importante procurar orientação médica em vez de recorrer a medicamentos por conta própria. De acordo com a especialista, a terapia cognitivo-comportamental é um dos tratamentos de ouro para distúrbios do sono: “A terapia vai abordar as causas da insônia, concentrando-se na modificação de comportamentos e padrões que contribuem para esses problemas. Estudos demonstraram que esse tipo de terapia pode fornecer uma alternativa mais durável à medicação”.
Alerta para telas
O alerta sobre o impacto das telas na qualidade do sono é fundamentado cientificamente. A médica explica que a luminosidade das telas interfere na produção de melatonina, o que leva as pessoas a dormirem cada vez mais tarde quando passam tempo excessivo em dispositivos como celulares ou televisões. “A luz azul emitida atrapalha o sono, além de causar dores de cabeça e forçar o músculo do olho após horas em frente à tela”, destaca.