A nova face do lawfare de gênero

Sistema de justiça está sendo usado para punir mulheres que denunciam violência

Mariana Tripode
Por Mariana Tripode  - Advogada 3 Min Leitura
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Denunciar um agressor já é, por si só, um ato de coragem. Requer atravessar a dor, o medo e o descrédito. Mas o que muitas mulheres não sabem — e o que o sistema parece não querer admitir — é que, ao fazê-lo, podem se tornar alvo de uma nova forma de perseguição: a judicial.

Tem se intensificado, em todo o país, um movimento sutil, mas devastador: mulheres que ousam romper o silêncio sobre violências sofridas — especialmente violência sexual e doméstica — têm sido processadas por seus agressores. A alegação? Supostos “danos morais”, “difamação” ou “denunciação caluniosa”. Mesmo quando suas denúncias foram feitas dentro dos canais legais, acompanhadas de boletins de ocorrência, laudos, perícias e relatos consistentes.

Lawfare de gênero

Esse fenômeno revela o que chamamos de lawfare de gênero: o uso estratégico da máquina judiciária como forma de retaliação e silenciamento. Ao invés de proteger quem denuncia, o sistema vem sendo instrumentalizado para punir. A mulher, já marcada pelo trauma da violência, passa a ser arrastada para uma nova via de sofrimento — agora, como ré em ações cíveis ou criminais.
O problema se agrava quando o Judiciário, em vez de frear esse tipo de abuso, chancela tais práticas sob o pretexto de garantir “direito de defesa” ao agressor. A consequência disso é um recado claro e brutal: se você denunciar, pode ser punida.

Essa retaliação judicial não ocorre no vácuo. Ela se apoia em um Judiciário ainda profundamente marcado por estigmas de gênero, onde o relato da mulher é sistematicamente colocado em dúvida, a ausência de condenação do agressor é tratada como “prova de inocência”, e a responsabilização da vítima se naturaliza.

Violência Institucional

Não é à toa que o Conselho Nacional de Justiça editou o Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero. Esse instrumento orienta magistradas e magistrados a analisarem os casos com sensibilidade às assimetrias históricas entre homens e mulheres, especialmente nas situações em que o direito é usado como arma para perseguir quem denuncia.

Trata-se, em última instância, de reconhecer que a judicialização da denúncia é uma forma perversa de violência institucional. Quando o Estado permite que uma mulher que buscou ajuda seja transformada em alvo, ele se torna cúmplice.

Não estamos falando de exceções. Estamos falando de um padrão que precisa ser urgentemente nomeado, enfrentado e interrompido.

Porque enquanto o Judiciário continuar permitindo que o direito seja usado para punir quem denuncia, ele estará fortalecendo não a justiça — mas o silêncio.

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Posted by Mariana Tripode Advogada
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Advogada formada pela Universidade de Mogi das Cruzes /SP desde 2012. Especialista em Direito da Mulher e Direito de Gênero pela escola da Magistratura do Distrito Federal, pós-graduanda em Direitos das Mulheres e Práticas para uma Advocacia Feminista pela Escola Superior de Direito, pós-graduanda em Ciências Criminais e Interseccionalidades pela Verbo Jurídico. Foi Presidente da Comissão da Mulher da ABA Brasília – Associação Brasileira dos Advogados, idealizadora do primeiro escritório de Advocacia Para Mulheres no Distrito Federal e CEO da Escola Brasileira de Direitos das Mulheres-EBDM.
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