Assegurar autonomia financeira e dar autoestima às mulheres são os objetivos dos acordos de cooperação técnica do Governo do Distrito Federal (GDF), por meio da Secretaria da Mulher (SMDF), com nove órgãos públicos. As parcerias garantem a reserva de 4% a 8% das vagas de emprego formais a vítimas de violência, trans, quilombolas e outras mulheres inseridas em situações de vulnerabilidade, em empresas terceirizadas que prestam serviços às instituições.
“A relevância dessa medida está na assistência oferecida às mulheres vítimas de violência e em vulnerabilidade para que superem suas adversidades e conquistem uma vaga independente e digna”, afirma a secretária da Mulher, Giselle Ferreira. “Com essas parcerias, estamos garantindo o cumprimento da legislação e assegurando os direitos das mulheres.”
As iniciativas já beneficiaram 92 mulheres. Só este ano foram 30 mulheres contratadas por meio da ação. Esse é o caso de Maria (nome fictício), 39, que há poucos meses assumiu um cargo de vigilante na Procuradoria-Geral da República (PGR). A oportunidade veio após ela ter sido acompanhada nos equipamentos da Secretaria da Mulher. “Preenchi uma ficha de inscrição, e em pouco tempo me ofereceram esse emprego. Essa notícia me trouxe muita felicidade e esperança”, lembra.
Para ela, retornar ao mercado de trabalho foi como virar uma página de um passado de medo e violências. A mulher chegou a ter que largar o emprego e mudar de Brasília com a filha para fugir do ex-companheiro. Quando retornou à capital, só havia conseguido trabalho na informalidade. “Tive que me esconder para tentar me refazer. Passei um bom tempo dentro de casa. Tudo só mudou quando comecei a ter acesso ao acompanhamento nos equipamentos da Secretaria da Mulher. Essa foi uma oportunidade de recomeço”, define.
Mais do que proporcionar melhores condições financeiras, o emprego deu a Maria a autoestima perdida nos últimos anos. “Cheguei a um ponto de me sentir incapaz. Tudo isso era reflexo do que eu tinha vivido. Carrego essa ferida, mas ela não me define mais”, complementa. Antes de assumir a função, ela foi preparada pela SMDF e teve acompanhamento mensal após o início do trabalho.
Essa boa experiência é elogiada pela mulher. “Essa ajuda é muito significativa, porque ela traz encorajamento mesmo. É um olhar para a frente. Não era o meu caso, porque eu trabalhava na época, mas sabemos que muitas mulheres que hoje vivem esse quadro de violência por causa da dependência financeira. Então essa é uma porta de saída”, garante.
Ocupação de espaços
Rafaela Delamary, 40, é outra mulher beneficiada pelo acordo. Há um ano ela trabalha como auxiliar administrativa no Superior Tribunal de Justiça (STJ). “Tem sido incrível. Esse é meu primeiro emprego CLT. Eu nunca tinha tido oportunidade de trabalhar com carteira assinada, ter férias e 13º, então é uma coisa maravilhosa”, conta.
O preconceito sempre foi uma barreira para que a mulher conseguisse um emprego formal. “Muito nova tive que enfrentar a discriminação e a falta de emprego também, porque muitas vezes o que sobra para as mulheres trans é a prostituição ou a área de beleza, mas nós podemos estar em qualquer tipo de ambiente exercendo diferentes funções, como qualquer outra pessoa”, comenta.
Essa confiança foi construída por Rafaela após participar de uma ação social para a saúde de mulheres trans na SMDF. “Foi a experiência que me deu um apoio de cidadania, de saúde e até psicológico. Lá tive informações dos meus direitos e descobri que poderia ir muito além, me sentir mais digna e mais humana e por que não ocupar os espaços públicos trabalhando e estudando? Foi o que abriu minha mente para querer lutar e conquistar meu espaço”, recorda. Antes de entrar no STJ, ela foi inscrita no banco de dados da pasta e convidada para fazer cursos de qualificação. “Foi muito bom, porque foi uma forma de preparo”, ressalta.
Como funciona
Os acordos são voltados a beneficiar mulheres que passaram por atendimento em algum equipamento público da SMDF, como a Casa da Mulher Brasileira e as unidades do Núcleo de Atendimento à Família e ao Autor de Violência Doméstica (Nafavd), ou de outros órgãos do GDF, como os centros especializados de atendimento à mulher (Ceams).
“Temos um banco de dados só com as vítimas de violência doméstica e em vulnerabilidade social, trans, quilombolas. Quando elas são atendidas em nossos equipamentos já é feita uma triagem, pegamos o currículo e, se elas autorizarem, entram no banco de dados, para quando surgir uma vaga elas serem comunicadas”, explica a chefe de Empregabilidade da SMDF, Lídia Alcântara.
Estão disponíveis vagas para as funções de serviços gerais, copeira, auxiliar administrativo, assistente administrativo, técnico em secretariado e vigilante, todas em regime CLT. O encaminhamento é feito pela SMDF, que faz uma preparação das candidatas antes da entrevista, além de manter um monitoramento nos quatro primeiros meses e depois anualmente.
“É muito importante a inserção dessas mulheres no mercado de trabalho, porque muitas estão sem esperança de arrumar um serviço devido ao medo. Mas tudo acontece em total sigilo. Todas são tratadas igualmente no ambiente de trabalho. Todas estão felizes. Muitas mandam mensagens agradecendo, porque essa é uma porta mais acessível”, comenta Lídia.
Atualmente, os acordos estão em vigor no Senado Federal, no Superior Tribunal de Justiça (STJ), no Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT), no Ministério Público do DF e Territórios (MPDFT), no Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), na Câmara Legislativa, na Procuradoria-Geral da República (PGR), na Procuradoria Geral do Trabalho (PGT) e no Ministério da Gestão e Inovação (MGI) – este último o mais recente, assinado no ano passado.
Está em andamento a ampliação da iniciativa, com a assinatura de novos acordos com o Tribunal de Contas da União (TCU), a Advocacia Geral da União (AGU), o Ministério das Minas e Energia (MME), o Superior Tribunal Militar (STM), a Câmara Federal e o Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1).